Pular para o conteúdo principal

O "BEIJO" NO CINEMA DE MURILO BENÍCIO!


Então, Murilo Benício, conhecido ator de televisão, se arrisca, pela primeira vez, ao mesmo tempo, como produtor, roteirista e diretor de cinema. E quando eu uso o verbo arriscar não é um eufemismo. A versão de Benício para "O Beijo No Asfalto", de Nelson Rodrigues, é toda um risco, um risco que resulta na melhor versão cinematográfica de um dos maiores clássicos rodriguianos, anteriormente adaptada para as telas por Flávio Tambelini (pai), em 1964, e por Bruno Barreto, em 1981.  

Murilo Benício dirige Débora Falabella

Considero a versão de Benício arriscada e a melhor, até hoje, por alguns motivos: 1 - Gosto de quem se arrisca na ARTE. ARTE sem risco chega a ser, no máximo, um produto bem acabado. 2 - O risco é uma das características específicas e principais da linguagem teatral. Os textos de Nelson Rodrigues resultam de sua genial capacidade em arriscar-se tanto na sua temática quanto na sua estética dramatúrgica. 3 - A escolha de Benício por levar para ao público de cinema o processo de trabalho teatral, mostrando atores e direção no que se chama em teatro de "trabalho de mesa", atrizes "passando o texto" no camarim, revelando, diversas vezes, mas pontualmente, em momentos precisos, o espaço da "não cena" dentro da cena, em ação contínua, demonstrando grande habilidade como roteirista e diretor, alicerçado por um claro domínio dos significados dramáticos.  

elenco

Luiza Tiso e Débora Falabella

4 - A escolha por não se utilizar do erotismo ou da mera nudez (feminina, é claro) como atrativo para o público, ou no "moralismo" pretensamente embutido na "imoralidade" atribuída aos textos de Nelson, nos quais caíram as versões cinematográficas anteriores, levando a audiência a concentrar-se na questão primordial da obra (aliás, atualíssima), que é o papel da imprensa sensacionalista, focada exclusivamente na aplicação mercadológica da informação, deturpando fatos para tornar vendável o cotidiano do homem comum. 5 - A fotografia em preto e branco de Walter Carvalho, que imprime uma atmosfera de Filme Noir, tudo a ver com a narrativa. 6 - A escalação do elenco: atores certos atuando nas personagens certas. Com especial destaque às participações de Amir Haddad, em incrível interpretação dele mesmo (e isso não é uma ironia; pior coisa é interpretar a si próprio), e de Fernanda Montenegro, como sempre, com seus testemunhos (ela fez a protagonista na primeira encenação da peça, em 1961, sob a direção de Gianni Ratto), interpondo-se às cenas com seus comentários de improviso ágil, de exímia acrobata mental.

Débora Falabella e Fernanda Montenegro

Amir Haddad (de costas), dirigindo elenco em "trabalho de mesa" 

O Beijo No Asfalto de Murilo Benício é, no fundo, uma grande homenagem cinematográfica ao TEATRO, o reconhecimento de que o TEATRO é princípio de tudo, e a reafirmação de NELSON RODRIGUES como expoente máximo da dramaturgia brasileira. Que texto! Que filme! Que maravilha! 

Enfim, declaro meu amor inconteste a este filme, aguardando ansiosamente que ele seja lançado em DVD, para que eu possa assisti-lo diversas vezes, apreciando seus detalhes.

Parabéns, Murilo Benício!!! 
Espero seus próximos voos cinematográficos de alto risco!

Cecilia Rangel - 19 de dezembro de 2018 


Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

MEMÓRIAS DO TEATRO BRASILEIRO - HAM-LET de Zé Celso Martinez Corrêa

HAMLET - montagem do Oficina Uzyna Uzona; direção: Zé Celso Martinez Corrêa       Depois de uma temporada de um ano em São Paulo, em agosto de 1994, a Companhia de Teatro Oficina Uzyna Uzona trouxe para o Rio de Janeiro a incrível HAM-LET, dirigida por seu líder José Celso Martinez Corrêa.      Para a montagem carioca, o cenógrafo Hélio Eichbauer, utilizando-se da arquitetura do pátio interno do casarão que abriga a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, concebeu o espaço cênico no qual a dramaturgia elisabetana do século XVI ganhou expressão na concepção de Zé Celso para a obra de Shakespeare, na última década do século XX.      A temporada carioca ofereceu apenas oito apresentações, que duravam cinco horas e meia, incluindo três intervalos, de quinze minutos cada. Na noite de estreia, o espetáculo terminou às 2:40hs do dia seguinte, e quase totalmente às escuras, pois, lá pelas tantas, a luz do palco entrou em pane.      "Ham-let" contava com as atuações de Christiane Torl

A CANDIDATURA

"Eu vou aproveitar que vocês estão aí à toa mesmo, não estão fazendo nada, e vou lançar a minha candidatura. Eu sou candidato, embora não pareça. Muitos já começaram em piores condições, e acabaram deixando o país em piores condições.  Meus e minhas, senhores e senhoras, meu partido é o PSJ, Partido Sem Juscelino.  Tão assombregético e camalioso que vem milatinar nas congitivas abserviácias para conscrucar a crisocilácea dos acarinídeos incubercitosos. E com que sastifação manifesto a sermenêutica na pretuberância das efervecências securitárias que catilinam as mesocerbáceas (!!!) para enoblefar a dianocésia purificosa das lotarinosas. Qüem? Qüem - e disse-o bem - qüem... Qüem de vozes poderá nos aquilongar a passagem himênica da periferia básica para estruturar o caldeamento dos equiloláceos esburifinosos?  Não... !!! Não me entenderão aqüeles qüi selvaminarem nas hepúrbias violáceas clínicas, para conseguirem o qüê?  O qüê, pergunto eu, e ninguém me res

HOMENS QUE ESCREVEM PROVOCANDO

MÁRIO QUINTANA "Todos estes que aí estão atravancando o meu caminho, Eles passarão  Eu passarinho."  PABLO NERUDA "Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto, entre as duas coisas você coloca ideias."  TRADUZIR-SE "Uma parte de mim é todo mundo; outra parte é ninguém; fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão; outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa e pondera; outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta; outra parte  se espanta. Uma parte de mim é permanente; outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem; outra parte, linguagem. Traduzir uma parte na outra parte  - que é uma questão de vida e morte - será arte?" FERREIRA GULLAR ISADORA DUNCAN "E bate louco, bate criminosamente, coração mais do que a mente, bate o pé mais do que o corpo poderia. E se você mentaliz