cenas do filme "2001-Uma Odisseia no Espaço" (USA - 1968)
de Stanley Kubrick
Supõe-se que desde que o ser humano começou a desenvolver consciência, ou seja, a perceber, construir, aprender e acumular conhecimento, sua mais inquietante questão tenha sido a natureza das coisas e as coisas da natureza a qual pertence.
Logo nos primórdios de sua evolução, motivado pela descoberta de suas capacidades intelectuais, empenhou-se na busca de explicações para os fenômenos que o acometiam por influência do meio, ou do seu próprio comportamento. Por exemplo: antes punha-se institivamente a comer, posteriormente, e aos poucos, foi entendendo que beber água, assim como ingerir carnes e vegetais, era o que o mantinha vivo. Talvez com certa perplexidade, também notou que, geralmente após à ingestão, seu corpo eliminava líquidos e materiais sólidos. Dependendo do quê e como comesse, o material eliminado não era tão sólido assim, ou podia nem sequer ser eliminado e, neste último caso, seguia-se uma incômoda sensação de estranhamento e aversão pelos demais membros da tribo, uma espécie de impulso agressivo, de difícil contrôle, mais tarde denominado enfezamento.
À medida que suas necessidades foram ultrapassando a mera ingestão de água e comida, apercebeu-se de que outros impulsos semelhantes também derivavam do entupimento de algum canal de eliminação, como a raiva, o ódio, a inveja e, ainda que de uma forma mais branda, o mau-humor.
Por outro lado, pôde observar que a sensação de saciedade, experimentada após as refeições, vinha quase sempre acompanhada de uma doce e serena reação, uma lerdeza quase poética, conhecida como preguiça. Esta preguiça, confundida muitas vezes com calma e tranquilidade, fazia com que o indivíduo procurasse o estiramento de seu corpo, o descanso na posição horizontal.
O horizontalismo e a preguiça fizeram o homem encontrar a divagação, a quimera, e consequentemente o sedentarismo.
Se a eliminação física se dava logo em seguida a ingestão de comida e água muito tempo durava esse comportamento dócil e contemplativo, caso contrário, eram brigas pra lá e pra cá na comunidade.
A esta altura vocês devem estar se perguntando: o que mito e mitocôndria têm a ver com isso?
Tudo, eu respondo.
Ao perceber que a natureza, da mesma forma, age ora com brandura ora com agressividade, o humano primitivo espertamente achou por bem começar a oferecer-lhe alimentos, mimos, para aguçar-lhe o bem-estar e a preguiça. Passou a observar seus elementos e o que os caracterizava; identificou e personificou um a um de seus recursos, atribuindo-lhes nomes e estórias, que chamaram de Mitos.
Podemos concluir, portanto, que os mitos foram criados pelo ser humano para azeitar sua relação com a natureza.
Cada tribo foi criando seus próprios mitos, espalhando uma variedade deles por diferentes lugares do planeta. Em torno desses mitos, formaram-se as diversas culturas que compõem a história da humanidade. Ao longo dessa história, porém, os mitos foram perdendo sua função diplomática junto à natureza, tornando-se motivo de discórdias entre os seres humanos de diferentes culuras, que gabam-se arrogantemente de seus mitos e menosprezam, até mesmo odeiam, os dos outros.
Por outro lado, uma parte minoritária dos humanos, inconformada com as explicações mitológicas para todos os fenômenos da natureza, seguiram em busca de outras respostas, desenvolvendo ciência, decifrando códigos, criando maravilhas. Muitos deles foram massacrados, torturados, queimados vivos, taxados de páreas, heréticos, blasfemadores, mas suas teses sempre encontraram quem lhes desse continuidade, e seus trabalhos abriram caminhos para a evolução da Vida Humana na Terra. São infindáveis os benefícios conquistados pela persistência desses homens, a eles devemos não estarmos ainda abrigados em cavernas, vulneráveis à fome de outros animais, submetidos ao breu da noite; podemos viajar e escolher a forma como viajamos, se por terra, céu ou mar; devemos a eles os instrumentos que nos permitem comer sem nos contaminar, a forma como preparamos nosso alimento, o discernimento entre o que faz bem e o que faz mal ao nosso organismo; o desenvolvimento e propagação dos idiomas que nos permitem compreender e sermos compreendidos; os impressionantes avanços dos meios de comunicação que hoje unem povos de toda a Terra; o extermínio de doenças, o controle e a cura de tantas outras; as diversas formas de expressão artística; e por aí vai...
Inumeráveis são os milhagres produzidos pelo ser humano ao longo de milênios, e que passam despercebidos pelo nosso cotidiano comezinho, a não ser quando falta luz, quando a torneira seca, quando o sistema de informação pifa no banco, etc.
Aprendemos a adorar mitos e menosprezar o ser humano que somos com um sentimento danoso de menos valia da Espécie.
Precisamos recriar o humano, dando amor ao humano, dando valor ao humano, reconhecendo o humano em tudo o que há de bom e ruim em nós, responsabilzando-nos pela Vida Humana, antes que seja tarde!
E a mitocôndria?
Segue cumprindo seu papel celular. Talvez um tanto assustada com a quantidade de lixo tóxico que ela tem de transformar todos os dias para manter-nos vivos.
Isso tudo não que dizer que Mito e Mitocôndria sejam incompatíveis. Entre o sonho e a realidade encontra-se o lugar da harmonia.
Harmonizemo-nos, pois.
CECILIA RANGEL
(15 de fevereiro de 2011)
CECILIA RANGEL
(15 de fevereiro de 2011)
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