DEVOTA DE FRANCISCO
Luiz Artur, meu sobrinho de quatro anos, aos dois adorava imagens de santos. Reconhecia-os pelos nomes e criava estórias sobre como se relacionava com cada um deles. Colocava-os um a um sobre meu colo e falava: esse é o Santo Fulano, essa é a Santa Beltrana e por aí vai...
Um dia contou-me, entusiasmado, que conheceu São Francisco de perto, que ele é grande e mora no alto da casa do "papai do céu". Comentei que aquele Francisco que ele viu é o Xavier, e que há mais dois: o de Paula e o de Assis. Ele imediatamente arregalou seus olhinhos curiosos e perguntou "_ Qual deles é o seu?". Respondi que nenhum deles é meu, mas que sou devota de um outro Fransisco, que não é santo, não é de Paula nem de Assis, e sim de Hollanda.
Não que eu devote a este Fransisco uma fé religiosa, longe disso, não sou dada a fanatismos, muito pelo contrário. Nem é esta a proposta artística de Francisco Buarque de Hollanda, ou melhor, do Chico. Porém, tenho de admitir que cresci devotando uma especial paixão por sua obra; paixão que só fez crescer enquanto fui crescendo, desde "A Banda" até "O Leite Derramado".
Eu poderia aqui me repetir, repetindo o velho jargão de que o Chico entende como ninguém a alma feminina, mas não é esse o caso. Acho que o Chico não entende nada mais do que outros que buscam entender alguma coisa na vida. O que acontece com o Chico é que o Chico sabe escrever, ele sabe o sentido das palavras e falar pelas bocas de outrem, como se fosse outrem, como se outrem lhe soprassem aos ouvidos aquilo que querem e precisam dizer, mas não sabem como. Aí o Chico vai e diz. Diz com encantamento e precisão, esbanjando estrofes sem desperdiçar versos, valorizando fonemas sem banalizar rimas, tecendo ideias que são nossas e não necessariamente dele, mas que ele percebe com profunda sensibilidade e sabe traduzir como minguém, com requintada simplicidade.
Um certo colega de trabalho uma vez me disse que não gosta das letras do Chico porque são o trabalho de um "arquiteto da palavra". No meu entender, é justamente este o seu maior mérito. Arte não é psicografia ou algo que se encerra com o surgimento de uma inspiração súbita e incontrolável. A verdadeira obra de arte resulta do polimento, da lapidação, da paciência do artista em compor passo a passo a sua criação, que deve trazer uma visão inédita e única para o mundo sobre qualquer coisa.
O universo revelado pela arte "buarqueana" é tão abrangente e avassalador das questões humanas, sua poesia toca com tanta destreza as filigranas dos nossos sentimentos, dos mais cotidianos e mesquinhos aos mais desvastadores e inconfessáveis, que somente alguém com enorme desprendimento de si mesmo pode alcançar.
Não que o Chico esteja isento de vaidade. Nenhum artista está. Mas acredito que sua vaidade está canalizada na feitura de sua arte, naquilo que ele faz questão de apresentar ao público como resultado do seu trabalho. Ele não chama a atenção para si, não anda cercado por guarda-costas nem se locomove em furgões pretos com vidro fumê. Pelo contrário, seu carro é comum, ele mesmo o dirige; aliás, a maior parte do tempo anda a pé; adentra as livrarias do bairro onde mora, assim como supermercados e restaurantes, senta a uma mesa qualquer, não "fecha a cara" nem fica mandando beijinhos pra quem passa por ele. Comporta-se realmente como o homem comum que é. Se é que se pode chamar de comum alguém que deixa para o seu país o legado de uma obra tão vasta, de tamanha importância cultural e artística, como a que este sujeito vem produzindo.
Sim, sou devota de Francisco, que é de Hollanda, mas é brasileiro, buarqueiro; "paratodos" Chico; para todos não, somente para nós, "Pedros Pedreiros", comedores de luz nesse imenso "Brejo da Cruz".
CECILIA RANGEL
(28 de janeiro de 2010)
caricatura de Carlinhos Muller
"Para estufar esse filó como eu sonhei
só se eu fosse o Rei.
Para tirar efeito igual ao jogador
qual compositor...
Parábola do homem comum roçando o céu
um senhor chapéu.
Para delírio das gerais no Coliseu.
Mas que rei sou eu para anular a natural catimba do cantor?"
CHICO BUARQUE DE HOLLANDA
Chico, a poli te ama!!!
CECILIA RANGEL
Lindo texto tia! Fiz questão de propagandear ^.^
ResponderExcluirBeijo da sua sobrinha mais velha (acho eu que sou),
Alinde
Apesar de 'seu" Chico ter a essência mais próxima da sua, os "Chicos" de meu filho Luiz Artur Filho servem para me aproximar do criador de uma forma nunca dantes vislumbrada. Não obstante ele mencionar Francisco, também gosta de Expedito, Ivo, José, Antônio, Luzia e a não menos celebrada Maria. Seus comentários são uma demonstração precisa da isenção religiosa para uma "adoração" pueril de um infante que tem em seu objetivo somente o amor. Amor este que contagia qualquer um que veja seu encantamento, independente de orientação religiosa, dogma ou crença. Parabéns por sua eloquencia e pela demonstração de fé na humanidade...
ResponderExcluirbeijos de seu irmão.
Luiz Artur - pai!
Minha cunhada querida.
ResponderExcluirParabéns pela forma magnânime que você conseguiu, em poucas palavras, demonstrar sua admiração pelo nosso Chico, sem esquecer o encanto de meu filho por seu "Chico".
Meri Rangel - mãe.